quinta-feira, 17 de julho de 2014

Dia #4:


Recomeço. Quarto dia.




              Mais um dia novo. Chego cedo. Tomo um pouco de café.
              Observo o horário de aulas, 9.º ano, me disseram que era a pior sala da escola. A sala mais odiada da escola... Lá vou eu.
              Entro. Arrumo minha mesa. Olho pra eles. Não digo nada.
              Como de costume, estão ouvindo música e xingando uns aos outros. As meninas, para meu espanto, sentadas no colo dos rapazes, falam palavrões horríveis, riem, gritam. Comportam-se como mulheres que perderam o rumo da vida.
              Abro o diário, vejo a data de nascimento da maioria. Eles têm entre 16 e 17 anos. Sim, são todos repetentes. Casos graves de indisciplina. Violência. Abandono. Gravidez na adolescência. Um verdadeiro cenário de devastação social.
             Ninguém me respeita. Ninguém se importa com a minha presença. Eu ando até a lousa, paro, e fico lá até fazerem silêncio. Eles, aos poucos, vão se calando. Entre risos e gracejos, piadinhas, gozações e mais palavrões, a sala começa a se acalmar. 
            Eu continuo calado. Olho fixo para cada um dos alunos. Não digo nada. Estou atordoado com o estado daquela sala de aula. Há 16 lâmpadas em todo o ambiente; apenas 3 "funcionam". Se é que se pode dizer isso...
             A escuridão, aqueles rostos, alunos repetentes, alunos rejeitados. 
             "O que posso fazer ali?" "O que é possível fazer ali?"
             Não me ensinaram isso na faculdade - eu penso. Não mesmo.


             Então o mais engraçadinho da turma, o mais velho, o "chefão" do lugar, me pergunta alguma coisa, lá do fundo. Na verdade, ele me desafia: 
              - Fala alguma coisa aí professor! Quem é você?
              E eu respondo:
              - Qual o sentido da vida?
              Ele não entende a pergunta. Todos esperam para ouvir de novo.
              - Qual o sentido da vida? Da sua vida?
              Toda a sala para de repente.
              Ele se ajeita na cadeira, retoma a postura "adequada", pensa. Não sabe o que responder.
              - A sua vida não tem nenhum sentido? Você não tem um motivo pelo qual viver..?
              Ele não tem resposta. Não há respostas para certas coisas na vida. Mesmo um estúpido é capaz de saber isso.
              Eu olho em volta, olho fixamente no rosto de cada um. 
              Então outros alunos levantam a mão. Querem responder em seu lugar. E depois outra aluna pede para falar. E mais outro. E mais outro...
              Passei quase 2 horas conversando com eles. Matemática? Não... Eu não ensinei matemática hoje. Eles mal sabem tabuada, estão à margem do conhecimento básico escolar. Na verdade nós conversamos sobre a vida. E sobre o sentido que ela tem [ou não]. E sobre o que cada um deles esta fazendo com o seu próprio futuro, jogando no lixo cada d[ia e cada noite fazendo coisa alguma. 
              Sim, nós falamos da vida e do sentido que ela tem [ou não].
              Ao sair da sala, quando o sinal tocou, havia um silêncio terrível atrás de mim. Eu podia ouvir o ruído de almas despedaçadas, esmigalhadas. Eu podia ouvir o som ensurdecedor do vazio. 
             Talvez ninguém nunca tivesse lhes perguntado o que eles achavam da vida. Talvez todos estejam se lixando para eles [e de fato estão]. Mas a verdade é que hoje foi um dos melhores dias desse recomeço, e no meu peito voltou a bater uma esperança de antes, uma certeza que ainda há pelo que lutar. 
            Mergulhei num cenário de guerra, saí de lá enxergando ao longe a bandeira branca da paz tremulando no horizonte.

              E para você: qual o sentido da vida?





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